31 janeiro 2012

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A pesquisa Folha sobre a ação da PM paulista na cracolândia.


VLADIMIR SAFATLE

Escala F

Na década de 50, o filósofo alemão Theodor Adorno (1903-1969) uniu-se a um grupo de psicólogos sociais norte-americanos para desenvolver um estudo pioneiro sobre o potencial autoritário inerente a sociedades de democracia liberal, como os Estados Unidos.

O resultado foi, entre outras coisas, um conjunto de testes que permitiam produzir uma escala (conhecida como Escala F, de "fascismo") que visava medir as tendências autoritárias da personalidade individual.

Por mais que certas questões de método possam atualmente ser revistas, o projeto do qual Adorno fazia parte tinha o mérito de mostrar como vários traços do indivíduo liberal tinham profundo potencial autoritário.

O que explicava porque tais sociedades entravam periodicamente em ondas de histeria coletiva xenófoba, securitária e em perseguições contra minorias.

O que Adorno percebeu na sociedade norte-americana vale também para o Brasil. Na semana passada, esta Folha divulgou pesquisa mostrando como a grande maioria dos entrevistados apoia ações truculentas como a internação forçada para dependentes de drogas e intervenções policiais espetaculares como as que vimos na cracolândia.

Se houvesse pesquisa sobre o acolhimento de imigrantes haitianos e sobre a posição da população em relação à ditadura militar, certamente veríamos alguns resultados vergonhosos.

Tais pesquisas demonstram como a idealização da força é uma fantasia fundamental que parece guiar populações marcadas por uma cultura contínua do medo.

É preferível acreditar que há uma força capaz de "colocar tudo em ordem", mesmo que por meio da violência cega, do que admitir que a vida social não comporta paraísos de condomínio fechado.

Sobre qual atitude tomar diante de tais dados, talvez valha a pena lembrar de uma posição do antigo presidente francês François Mitterrand (1916-1996).

Quando foi eleito pela primeira vez, em 1981, Mitterrand prometera abolir a pena de morte na França. Todas as pesquisas de opinião demonstravam, no entanto, que a grande maioria dos franceses era contrária à abolição.

Mitterrand ignorou as pesquisas. Como se dissesse que, muitas vezes, o governo deve levar a sociedade a ir lá aonde ela não quer ir, lá aonde ela ainda não é capaz de ir. Hoje, a pena de morte é rejeitada pela maioria absoluta da população francesa.

Tal exemplo demonstra como o bom governo é aquele capaz de reconhecer a existência de um potencial autoritário nas sociedades de democracia liberal e a necessidade de não se deixar aprisionar por tal potencial.


06 novembro 2011

Salve, meu anjo da guarda!


Dona Ivone Lara me disse que tenho de me lembrar sempre do meu anjo da guarda para ele não esquecer de mim. Disse também que quem tem um protetor forte sai ileso das situações mais embaraçosas e não entra em fria. Meu santo-forte é poderoso e já me livrou de muitas situações difíceis — como podem observar em três ocasiões que vou citar, que poderiam me deixar mal, mas eu fiquei numa boa. Na primeira, quando era sargento do Exército, ia viajar para o Oriente Médio e, na última hora, fui cortado do Batalhão Suez. Fiquei chateado, mas depois feliz porque, com o corte, escapei de sofrer com a Guerra dos Seis Dias. Na segunda, na hora do embarque, fui transferido do voo do avião da Varig que caiu em Orly e todos os passageiros morreram. Na terceira, escapei de ser vítima do humor sarcástico de algum cronista sensacionalista, vejam só: pretendia fazer uma escolinha de futebol lá na terra do Arouca, que joga pelo Santos do Neymar, e ia inscrever o Instituto Cultural Martinho da Vila no programa Segundo Tempo da Secretaria Nacional de Esporte Educacional, com o objetivo de formar outros Aroucas em Duas Barras. Como o ICMV vai passar por uma reforma e está com as atividades suspensas, pensando bem, achei melhor esperar a conclusão das obras da sede e, depois de retomada as atividades, batalhar pela escolinha. Creio que foi um anjo que me guiou para tal decisão porque, mesmo se eu tivesse conseguido o patrocínio, o campo não estaria pronto e um comentarista político maldoso poderia soltar o verbo pra cima de mim, possivelmente assim: “Sambista filiado ao PCdoB, amigo do Orlando Silva, que já fez festa de aniversário para o ministro em sua residência na Barra e que já o hospedou em sua fazenda, recebeu dinheiro do Programa Segundo Tempo do Ministério dos Esportes e não fez nada”. É… meu santo é mesmo forte. Meu anjo da guarda está sempre de plantão, e meu arcanjo não dorme. O comentário seria uma calúnia, pecado que deveria ser classificado como capital, mas eu nem iria me amofinar e permaneceria com o meu sorriso aberto porque está escrito: “Não dê ouvidos às intrigas e calúnias; só a árvore que produz frutos é que se vê apedrejada, para deixá-los cair. À árvore estéril ninguém dá importância e a calúnia pode ser uma honra para quem a recebe”. Continuo sorrindo porque o correto Aldo Rebelo assumiu a pasta, mas fiquei triste com a queda do ministro Orlando Silva.

O G20 e o Brasil - BILL GATES



Bem-sucedido em seu processo de desenvolvimento, o Brasil tem compreensão sofisticada daquilo que os países pobres precisam fazer para melhorar

A estabilização da economia global e a geração de empregos estiveram, com razão, no topo da agenda da reunião do G20 na França.
Um risco real, contudo, é o de que algumas das políticas cogitadas por membros-chave do G20 corram o risco de reduzir a assistência e outros investimentos em crescimento e desenvolvimento em muitos dos países mais pobres do mundo.
Seria um erro enorme, porque é precisamente este o momento em que esses países estão preparados para acelerar os avanços da década passada e se tornarem parceiros estáveis e rapidamente crescentes na economia global.
Em vez de recuar, este é o momento de nos engajarmos mais profundamente, em mais áreas e por meio de parcerias novas e instigantes.
O presidente Sarkozy me convidou a apresentar um relatório para os líderes do G20 sobre como ampliar o financiamento para o desenvolvimento, e nesse relatório apresentei ideias muito concretas sobre como fazer isso e deitar as bases para que o mundo consiga atender as necessidades e aspirações de todos os seus 7 bilhões de cidadãos.
Uma das razões pelas quais sou otimista em relação ao futuro é o fato de que países em rápido crescimento, como o Brasil, possuem o potencial de transformar o desenvolvimento. Esse potencial enorme é a razão pela qual a Fundação Bill & Melinda Gates assinou nesta semana um acordo com o governo brasileiro para trabalharmos juntos sobre projetos de agricultura e saúde para beneficiar países pobres.
Tendo avançado com tanto êxito no processo de desenvolvimento, o Brasil tem compreensão sofisticada do que os países pobres precisam fazer para melhorar suas condições de vida. Com enormes capacidades técnicas, pode inventar ferramentas inovadoras para solucionar alguns dos problemas mais renitentes enfrentados pelos pobres.
Um exemplo disso é uma iniciativa recente para melhorar a produtividade agrícola em Moçambique, país onde uma em cada cinco crianças é malnutrida.
Graças à combinação de investimentos generosos do Japão e suporte de capacitação técnica do Brasil, Moçambique está a caminho de conquistar a segurança alimentar e, com o tempo, exportar produtos agrícolas para a região e o mundo.
Os países pobres estão usando seus próprios recursos para liderar seu próprio desenvolvimento. Líderes africanos podem levantar mais dinheiro para o desenvolvimento, com mais eficiência.
Os países do G20 podem ajudar nisso, exigindo que empresas de mineração e petróleo listadas em suas bolsas de valores divulguem o que pagam para os governos de países em desenvolvimento. Dessa maneira, os termos dos contratos envolvendo recursos naturais farão parte de registro público, e cidadãos em todos os países poderão proteger seus interesses.
Os países doadores tradicionais também têm a responsabilidade de continuar com sua generosidade assistencial. Muitos países definiram metas para assistência até 2015, e ainda têm tempo para tomar medidas para alcançar essas metas.
Para concluir, o setor privado pode aumentar seu envolvimento no desenvolvimento. O setor privado é o motor do crescimento econômico e a maior fonte de inovação no mundo, mas nem sempre investe nas necessidades dos mais pobres, porque nem sempre há incentivos para isso. Acredito que há maneiras de encorajar o investimento particular em coisas como tecnologias agrícolas e projetos infraestruturais.
Existem bilhões de dólares em mãos de instituições filantrópicas, investidores de impacto, comunidades de diáspora e fundos soberanos que poderiam ser mobilizados para ajudar os pobres.
Esse trabalho não envolve alguns poucos países ricos dando assistência à moda antiga a um mundo monolítico em desenvolvimento. Ele diz respeito a como novos parceiros podem levar energia nova e transformadora ao desenvolvimento, conservando o mundo no caminho em direção à equidade e ao crescimento econômico de longo prazo.

BILL GATES é copresidente da Fundação Bill & Melinda Gates.