As incertezas da História
Algo que sempre me incomodou em meus tantos anos de exercício do magistério foram as incertezas sobre aquilo que estava ensinando. Principalmente quando o conteúdo resgatava acontecimentos históricos. Estava nos livros, tinha sido assim que me ensinaram... Mas seria aquela toda a verdade?
Hoje, 2 de fevereiro, há 65 anos os nazistas rendiam-se em Stalingrado, antiga União Soviética. Passamos nossa vida aprendendo (e ensinando) que quem venceu a Segunda Guerra Mundial foram os americanos e ingleses. Dezenas de filmes que já assistimos sobre o tema cansaram de retratar seu heroísmo na luta contra Hitler.
Pelo partido a que sou filiado, também sou suspeito em minha opinião, mas prefiro acreditar que a história é outra: “em Stalingrado é que se cortou o nó que apertava a garganta da história”.
Prefiro ficar com os dois mais importantes poetas da América Latina e, por certo, universais: Carlos Drummond de Andrade e Pablo Neruda
Drummond: Carta a Stalingrado
“Depois de Madri e de Londres, ainda há grandes cidades!
O mundo não acabou, pois que entre as ruínas
outros homens surgem, a face negra de pó e de pólvora,
e o hálito selvagem da liberdade
dilata os seus peitos, Stalingrado.
.
Stalingrado, miserável monte de escombros, entretanto resplandecente!
As belas cidades do mundo contemplam-te em pasmo e silêncio.
Débeis em face do teu pavoroso poder,
mesquinhas no seu esplendor de mármores salvos e rios não profanados,
as pobres e prudentes cidades, outrora gloriosas, entregues sem luta,
aprendem contigo o gesto de fogo.
.
Não há mais livros para ler nem teatros funcionando nem trabalho nas fábricas,
todos morreram, estropiaram-se, os últimos defendem pedaços negros de parede,
mas a vida em ti é prodigiosa e pulula como insetos ao sol,
ó minha louca Stalingrado!
.
As cidades podem vencer, Stalingrado!
Penso na vitória das cidades, que por enquanto é apenas uma fumaça subindo do Volga.
Penso no colar de cidades, que se amarão e se defenderão contra tudo.
Em teu chão calcinado onde apodrecem cadáveres,
a grande Cidade de amanhã erguerá a sua Ordem.”
Neruda: Terceiro Canto de Amor a Stalingrado
”Stalingrado ensinou ao mundo
a suprema lição de vida:
nascer, nascer, nascer,
e nascia
morrendo,
disparava
nascendo,
ia de bruços e se levantava
com um raio na mão.
Toda noite sangrava
e já na aurora
podia emprestar sangue
a todas as cidades da terra.
Empalidecia com a neve negra
e toda a morte caindo
e quando olhávamos
para vê-la cair,
quando chorávamos
seu final de fortaleza,
ela nos sorria,
Stalingrado
nos sorria.
.
Aqui exalas o homem e a esperança,
aqui, rama de acácia,
não pode queimar-te o fogo
nem sepultar-te o vento da morte.
Aqui ressuscitaste a cada dia
sem haver morrido nunca,
e hoje no teu aroma o infinito humano
de ontem e de amanhã
de depois de amanhã
nos volta a dar sua eternidade florida.
És como a usina de tratores:
hoje florescem de novo
grandes flores metálicas
que entraram na terra
para que a semente
seja multiplicada.
Também a usina foi cinza,
ferro retorcido, espuma
sangrenta da guerra,
porém seu coração não se deteve
foi aprendendo a morrer e a renascer.
.
E agora
a morte se foi:
apenas algumas paredes;
algum ferro retorcido
bombardeado e torto,
apenas algum rastro
como uma cicatriz de orgulho,
tudo é claridade, lua e espaço,
determinação e brancura
e no alto
uma rama de acácia,
folhas, flores, espinhos defensores,
a extensa primavera
de Stalingrado,
o invencível aroma
de Stalingrado!”
02 fevereiro 2008
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