02 fevereiro 2008

Stalingrado, 65 anos

As incertezas da História
Algo que sempre me incomodou em meus tantos anos de exercício do magistério foram as incertezas sobre aquilo que estava ensinando. Principalmente quando o conteúdo resgatava acontecimentos históricos. Estava nos livros, tinha sido assim que me ensinaram... Mas seria aquela toda a verdade?
Hoje, 2 de fevereiro, há 65 anos os nazistas rendiam-se em Stalingrado, antiga União Soviética. Passamos nossa vida aprendendo (e ensinando) que quem venceu a Segunda Guerra Mundial foram os americanos e ingleses. Dezenas de filmes que já assistimos sobre o tema cansaram de retratar seu heroísmo na luta contra Hitler.
Pelo partido a que sou filiado, também sou suspeito em minha opinião, mas prefiro acreditar que a história é outra: “em Stalingrado é que se cortou o nó que apertava a garganta da história”.
Prefiro ficar com os dois mais importantes poetas da América Latina e, por certo, universais: Carlos Drummond de Andrade e Pablo Neruda


Drummond: Carta a Stalingrado
“Depois de Madri e de Londres, ainda há grandes cidades!
O mundo não acabou, pois que entre as ruínas
outros homens surgem, a face negra de pó e de pólvora,
e o hálito selvagem da liberdade
dilata os seus peitos, Stalingrado.
.
Stalingrado, miserável monte de escombros, entretanto resplandecente!
As belas cidades do mundo contemplam-te em pasmo e silêncio.
Débeis em face do teu pavoroso poder,
mesquinhas no seu esplendor de mármores salvos e rios não profanados,
as pobres e prudentes cidades, outrora gloriosas, entregues sem luta,
aprendem contigo o gesto de fogo.
.
Não há mais livros para ler nem teatros funcionando nem trabalho nas fábricas,
todos morreram, estropiaram-se, os últimos defendem pedaços negros de parede,
mas a vida em ti é prodigiosa e pulula como insetos ao sol,
ó minha louca Stalingrado!
.
As cidades podem vencer, Stalingrado!
Penso na vitória das cidades, que por enquanto é apenas uma fumaça subindo do Volga.
Penso no colar de cidades, que se amarão e se defenderão contra tudo.
Em teu chão calcinado onde apodrecem cadáveres,
a grande Cidade de amanhã erguerá a sua Ordem.”


Neruda: Terceiro Canto de Amor a Stalingrado
”Stalingrado ensinou ao mundo
a suprema lição de vida:
nascer, nascer, nascer,
e nascia
morrendo,
disparava
nascendo,
ia de bruços e se levantava
com um raio na mão.
Toda noite sangrava
e já na aurora
podia emprestar sangue
a todas as cidades da terra.
Empalidecia com a neve negra
e toda a morte caindo
e quando olhávamos
para vê-la cair,
quando chorávamos
seu final de fortaleza,
ela nos sorria,
Stalingrado
nos sorria.
.
Aqui exalas o homem e a esperança,
aqui, rama de acácia,
não pode queimar-te o fogo
nem sepultar-te o vento da morte.
Aqui ressuscitaste a cada dia
sem haver morrido nunca,
e hoje no teu aroma o infinito humano
de ontem e de amanhã
de depois de amanhã
nos volta a dar sua eternidade florida.
És como a usina de tratores:
hoje florescem de novo
grandes flores metálicas
que entraram na terra
para que a semente
seja multiplicada.
Também a usina foi cinza,
ferro retorcido, espuma
sangrenta da guerra,
porém seu coração não se deteve
foi aprendendo a morrer e a renascer.
.
E agora
a morte se foi:
apenas algumas paredes;
algum ferro retorcido
bombardeado e torto,
apenas algum rastro
como uma cicatriz de orgulho,
tudo é claridade, lua e espaço,
determinação e brancura
e no alto
uma rama de acácia,
folhas, flores, espinhos defensores,
a extensa primavera
de Stalingrado,
o invencível aroma
de Stalingrado!”

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