09 março 2008

Entrevista com Celso Antunes

Celso Antunes é um respeitável educador brasileiro. Talvez seja uma ousadia criticar um autor de cerca de cento e oitenta livros e consultor de diversas revistas. Mas sua entrevista na Gazeta de hoje levanta pontos que julgo serem questionáveis.
Ele esteve em Curitiba na sexta-feira palestrando no 2.º Fórum Extraordinário da Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação).
Faço abaixo, para polemizar, alguns comentários da entrevista que ele deu à Gazeta.
Ressalvo antes que, em se tratando de Gazeta, não dá pra confiar na total fidedignidade da transposição de suas respostas.


Gazeta: Como obter qualidade na educação pública no país?
Celso Antunes: É possível pensar que, se as escolas com notas baixas fizerem o que fazem as que têm padrão de qualidade potencial, todas poderão alcançar qualidade. Não é fácil, não é um trabalho de um ano e não é uma receita de bolo. São resultados concretos que podem ser obtidos com envolvimento de todos, desde o gestor, passando pelo professor, alunos e família.
Comentário: Se desconsideramos as diferentes realidades locais de nossos estudantes, será simplória a idéia de que bastará às escolas públicas copiarem os exemplos daquelas que tem “sucesso”.

Gazeta: E como é possível fazer isso?
Celso Antunes: O gestor, diretor, coordenador, enfim, aquela figura central da escola, sempre deve ser alguém com formação superior. Já os professores não concebem uma forma única de dar aula, são rigorosos, mas carinhosos, com formação superior e se aprimoram sempre. Esses professores não são animados salarialmente, mas com medalhas de honra ao mérito.
Comentário: Certamente que ações democráticas da equipe de direção, acompanhadas da garra de professores valorizados são fundamentais. Especialmente se essa valorização vai além de “medalhas de honra ao mérito”. Agora, não dá pra ignorar que em escolas aonde os alunos vem das camadas socialmente mais marginalizadas, a tarefa fica muito mais difícil. Basta refletir sobre o porquê de as privadas saírem-se melhor que as públicas nas avaliações e o porquê de, entre as públicas, os melhores resultados serem do Colégio Estadual, Colégio Militar e CEFET.

Gazeta: Além de premiar os professores, o que mais pode ser feito?
Celso Antunes: Adotar diferentes maneiras de dar aula, de pensar currículo e avaliação. E adotar práticas pedagógicas contemporâneas, similares às que são desenvolvidas em outros países. Aulas expositivas, discursivas, são uma maneira de dar aula, mas não as únicas. Todas essas escolas possuem atividades pedagógicas em que o aluno é protagonista. Os diretores devem ainda incitar o envolvimento familiar e atendimento para os alunos com mais dificuldades. Faço uma paródia com as UTIs dos hospitais, mas chamo de ULI. É uma Unidade de Leitura Intensiva para alunos que precisam de reforço, de ajuda.
Comentário: Celso Antunes volta a insistir em copiarmos os outros, copiar os que deram certo. Tudo bem, mas sem levarmos em conta as diferenças sociais entre as diferentes escolas, será sacanagem culpar uma escola da periferia do Brasil que, certamente, terá muito mais dificuldade do que outra da Finlândia, por exemplo. Envolver as famílias? Correto. Mas, se é pra comparar, nunca esquecer que há diferenças entre como os pais podem ajudar seus filhos, dependendo de suas condições sócio-econômicas.

Gazeta: O que levou a esse quadro de baixa qualidade na educação?
Celso Antunes: Há cerca de 30 anos, o Brasil tinha praticamente 40 milhões de crianças fora da escola. Ou porque a população vivia no meio rural e não tinha escola ou porque a própria classe média era muito pouco significativa e a classe pobre entendia que se o filho se alfabetizasse tudo bem, mas não era preciso ir muito além disso. Mas o Brasil começou a ser pressionado por uma série de organismos internacionais, dentro já de um conceito de globalização. E o governo tratou de colocar todo esse pessoal dentro da escola e conseguiu.
Comentário: Acredito que o problema da qualidade da aprendizagem não se explica apenas porque aumentou a quantidade de aprendizes. No passado, era mais fácil ensinar. Toda “clientela” vinha das classes mais abastadas. Os professores contavam com a efetiva influência dos conhecimentos e recursos de seus pais. Com o acesso do filho dos pobres à Escola, temos o desafio de fazê-los aprender, mesmo saindo socialmente muitas passadas atrás em comparação com os filhos dos ricos.

Gazeta: Então as crianças estão na escolas, mas nem todas recebem ensino de qualidade?
Celso Antunes: Foi um formidável salto de quantidade, mas sem qualidade. Escolas foram criadas em qualquer canto, em qualquer bairro e professores formados de qualquer maneira. Agora que não é mais preciso abrir escola do dia para a noite, dá para investir em qualidade. A escola pública no Brasil chegou a esse descalabro porque ela precisou dar um salto quantitativo anormal.
Comentário: Não concordo que a Escola Pública seja um descalabro. Temos até motivos pra achar que ela é melhor do que a privada. Vejamos:
· fizemos concurso e assim somos os melhores professores; os recursos didáticos são razoáveis e estão se ampliando;
· ganhamos pouco mas, na média, os professores das privadas não ganham muito mais;
· nossa escola pode ser democrática, a privada tem um dono;
· temos um currículo que podemos discutir, as privadas tem apostilas que precisam seguir;
· nossas energias podem se voltar apenas para a aprendizagem, as escolas privadas tem que pensar no lucro...

Diante disso, volto à mesma tecla, os alunos das privadas, assim como os das públicas que fazem teste de ingresso, só aprendem mais porque, quando entram, já sabem muito mais.

Gazeta: A publicação de avaliações feitas pelo MEC por instituições é recente. É importante expor à opinião pública o desempenho de cada escola e região do país?
Celso Antunes: Indiscutivelmente, essa exposição é desconfortável. Se fosse prefeito ou secretário de Educação, eu gostaria que os defeitos do meu município não aparecessem. Mas você só pode curar sua doença se souber de seu estado de saúde. Acho que a transparência é o caminho para a democracia.
Comentário: A questão não é fugir das avaliações. A questão é interpretá-las corretamente. A questão é considerar todas as variáveis que possam influenciar nos resultados. Só assim haverá transparência de fato.

Gazeta: As estatísticas mostram que é um desafio manter jovens e adolescentes dentro das escolas. Como fazer com que a escola seja atraente?
Celso Antunes: Essa é a fuga de uma escola chata, falida e até uma fuga inteligente para o aluno que percebe que está perdendo o seu tempo. Os jovens fogem dessa escola retrógrada, descompromissada e que realmente não tem muita razão de ser. A evasão é muito mais um sintoma de escola de má qualidade do que razão de natureza social. Eu reitero que dificilmente os alunos fogem de uma escola profissionalizante que realmente prepara os jovens e adolescentes para o mercado.
Comentário: Acho que a Escola Pública se torna chata quando se mete a copiar a escola privada sem considerar que os alunos são diferentes. O aluno das privadas precisa muito menos da Escola Básica do que o aluno da Pública. Para este, a escola pode ser a única tábua de salvação. Para aquele, outras tábuas serão apresentadas para compensar as possíveis deficiências de sua escola.
Por isso, acredito ser até cruel quando Celso Antunes sugere que o antídoto pra escola chata é a “escola profissionalizante que prepara os jovens e adolescentes para o mercado”.
É cruel imaginar que preparamos nossos os jovens e adolescentes para serem mão de obra empregada nas empresas dirigidas por aqueles que estudaram nas privadas.
“Tens de assumir o comando”, ensinava Brecht há quase 100 anos. É pra isso que tem que servir a Escola Pública. Pra formar cidadãos que, apesar de todas as precariedades que trazem quando entram na escola, possam assumir o comando. O comando de suas vidas e de seus ideais. Armados com a capacidade de continuar aprendendo por toda a vida. Com autonomia para construir seu futuro. Em condições de confrontarem-se com quem quer deles apenas “jovens e adolescentes para o mercado”.

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